O debate sobre o G7 do Nordeste é um dos mais quentes do lado setentrional do Brasil. Nos últimos anos o futebol cearense cresceu ao ponto de fazer que dúvidas e até mesmo certezas fossem formuladas na mente de muitos intelectuais e torcedores comuns, em especial com o Fortaleza ultrapassando alguns clubes que antes eram vistos acima no senso comum. O Náutico é um dos elementos mais falados, com uma ampla valorização das marcas do clube nos anos 60 pelos alvirrubros e uma desvalorização de rivais ao falar do extrato do clube antes e depois da década de 60. Observando os debates, me reparei o quanto a fonte de forças vem da era de ouro do clube, que durou 6 anos. Mas, para o Náutico, de seus 122 anos de vida, 118 de vida futebolística e quase 100 de profissionalização do futebol, os anos 60 deve ser tão tratado como uma métrica para o seu peso histórico institucional?
A tradição e o peso de um clube é baseado em conquistas, contextos, marcas, pioneirismos, relevâncias com expansão de geografias, longevidade, popularidade, rivalidade e todos os demais aspectos, grandes, médios e pequenos, além de que não podemos esquecer que aspectos negativos também entram na conversa, pois o futebol é uma balança de dois extremos, sendo rebaixamentos, secas, coadjuvância, impopularidade, jejuns, falta de conquistas e muito mais são características que podem ser tão pesadas quanto títulos, todavia do extremo contrário. Quando se fala do Náutico e de qualquer clube, é preciso medir seu tamanho e principalmente comparado a outras instituições num modo geral, com contextos e pesos, afinal, se é pra falar de "maior", deve-se considerar a história completa, pois "melhor" é o contemporâneo, "maior" é o ontem e o hoje.
Foto: Arquivo/Jornal do Commercio |
O futebol é atuado no clube desde 1905 e na levada dos efeitos positivos da Federação Brasileira de Football no país, o clube se profissionalizou na década de 30, com direito ao seu primeiro título pernambucano em 1934. Até a profissionalização, os recifenses viram um cenário onde já existia a tradição e títulos de alguns clubes, como o Santa Cruz que vinha de um tricampeonato, o Torre que acumulava 3 títulos, o América que era uma referência pernambucana além das fronteiras maurícias e o Sport, já sendo o maior campeão há uma década, com 7 troféus no total.
Desse período até antes do ano de 1963, que é onde inicia-se a era onde queremos identificar se é uma métrica ou uma exceção na história do clube, o cenário era de coadjuvância no quadro títulos, pois o Náutico contava com 8 conquistas, contra 19 do Sport e 9 do Santa Cruz. Fora do estado seu nome institucional brilhou com 7 convocações para o Sul-Americano de 1959, onde a Seleção Pernambucana representou o Brasil, contanto também com 10 atletas tricolores e 5 rubro-negros. Outro ponto fora da geografia pernambucana foi quando o timba conquistou um título que ainda não é reconhecido pela CBF como oficial, mas que na época foi bem acompanhado pela mídia do eixo Norte do país, o Torneio dos Campeões do Norte-Nordeste 1952, organizada e bancada pelo próprio clube, que venceu o América-RN na semifinal por 5 a 4 e a Tuna Luso/PA por 5 a 1 na final.
Chegando os anos 60, a década de ouro alvirrubra, é onde se encontra tudo aquilo que o clube mais se orgulha, se inspira e até mesmo mora. Após começar o decenário vendo o maior rival sendo bicampeão, o clube conquista o Campeonato Pernambucano por 6 vezes consecutivas, feito jamais igualado, com direito a 4 finais vencidas sobre o Sport, incluindo um placar de 5 a 1. A sequência fez o timbu ultrapassar o Santa no quadro de títulos, 14 a 9 e diminuindo a vantagem do Sport, 14 a 19. Nacionalmente, das 8 edições da Taça Brasil, a equipe participou de 6, com direito a 4 semifinais e um vice-campeonato, além de vitórias marcantes que forjaram o nome institucional nacionalmente, como diante do Santos de Pelé, academia do Palmeiras, Atlético-MG e Cruzeiro. Pelo Robertão, disputou uma edição, em 1968, sendo o saco de pancadas e lanterna geral, já no Torneio Norte-Nordeste, participou em duas oportunidades, sem brilho em ambas. É essencial lembrar que dentro da Taça Brasil havia a fase inter-regional, uma disputa norte-nordestina que dava um título anexo, a Taça Norte, onde o Náutico sagrou-se tricampeão entre 1965 e 1967, sendo ao lado do Bahia o maior vencedor do certame. Já fora do país, tornou-se o primeiro clube de Pernambuco e segundo do Nordeste a disputar a Libertadores, quando em 1968 foi eliminado na fase de grupos. Outro orgulho importante para os alvirrubros foi a convocação de Nado, o primeiro atleta da região a servir a amarelinha na era aberta.
Logicamente o Náutico não teve os 10 anos de soberania no que se refere de 1961 a 1970, mas ninguém conseguiu tanta relevância, títulos interestaduais, participação em Libertadores e convocação como o clube obtive entre 1963 e 1968. Até ali, já podia ser listado 63 anos de futebol no Náutico e até 1968 tudo aquilo era novo e o sentimento que o torcedor sentia e vivia na ocasião, outros das demais gerações nunca sequer tinham chegado perto de sentir. Vamos para 2024, se passando 56 anos desde o fim da era de ouro e a partir desse ponto devemos analisar o que foi e está sendo o Náutico, se o seu extrato total diz mais sobre o seu auge ou sobre a coadjuvância que perdurou décadas antes de 1963.
O futebol brasileiro passou por várias modificações como modelos de disputa, de administração, impactos da globalização, criação de novas competições, mudanças na sociedade que ditaram outras eras e ritmos e tantos outros fatores que caminharam juntos com o esporte e que estiveram e estão no cotidiano dos clubes. Quando se debate sobre o tamanho do Náutico, se é maior ou menor que clube x, se é digno ser colocado numa prateleira acima ou não, tratam da forma certa quando citam os anos 60? Estão supervalorizando ou subestimando? Já vimos o bloco 1905/1934-1963/1968, agora veremos 1968-2024, para no fim pôr tudo numa balança e definir se no geral a década de 60 é regra ou exceção.
O Brasil é um país de dimensões continentais e além de sua geografia ampla, a cultura do futebol brasileiro tem em cada competição zonal um valor que dita o tamanho do clube. Ter feitos nacionais é o diferencial, mas sucessos estaduais e regionais também emitem a tradição. Bahia e Sport por exemplo, clubes campeões brasileiros, melhor, com 2 conquistas nacionais cada, para manter suas imagens grandiosas no país precisam garantir soberanias em seus estados e se estabelecerem na disputa por títulos regionais, se colocando no topo do ranking dos maiores da Copa do Nordeste. Os dois maiores fora do eixo Sul/Sudeste mesmo com títulos e/ou finais em Taça Brasil, Brasileirão, Copa do Brasil e Copa dos Campeões, não são - na média - clubes de chegadas pelas cabeças de forma constante em todas décadas, portanto, se manter na elite com alguns brilhos um lá outo cá e paralelamente a isso sustentar um reinado indiscutível em seus eixos, como ocorre na BA e em PE, é primordial pro conceito métrica.
O Campeonato Pernambucano teve diversas mudanças de valor com o passar das décadas, mas na enorme massa desse recorte sendo valorizado ao extremo, diferente de como é nos dias atuais. Porém, independente dos pesos, o Náutico repetiu o aspecto entre os 58 anos de futebol antes de 1963, com o clube sofrendo números massacrantes. Enquanto o timbu levou apenas 10 Pernambucanos entre 1969 e 2024, os corais venceram o dobro, foram 20 taças no Arruda e tudo só piora quando são apresentados os números leoninos, que levantaram o troféu em 24 oportunidades. Em 11 décadas, o Náutico foi o maior campeão isolado apenas em uma, exatamente nos anos 60, atrás de Santa Cruz com 4 décadas de domínio e o Sport com 5.
Regionalmente, a Copa do Nordeste é a competição dos nordestinos. Em 2024 teremos a 21ª edição, sendo a 15ª do timbu desde 1994. O clube é único do considerado G7 do Nordeste a nunca ter sido campeão e o agravante é que nunca sequer disputou o título, com sua maior longevidade as 4 semifinais disputadas em 2001, 2002, 2019 e 2022. Diferente do timbu, equipes consideradas de menos tradição como Botafogo-PB, ASA, Fluminense de Feira e Campinense disputaram finais. E pra piorar o cenário, em 2013, 2016 e 2021 o time não conquistou uma das três vagas de Pernambuco, que teve o Salgueiro como terceira força nas três temporadas.
Nacionalmente, das 55 edições do Campeonato Brasileiro, o clube participou 27 vezes da Série A, 23 vezes da Série B e 5 vezes da Série C. Ou seja, tecnicamente é 50% do tempo participando da elite e 50% fora, com o agravante de permanecer na segundona em alguns anos quando era uma divisão considerada o fundo do poço e também na Série C, já sendo calabouço do futebol brasileiro. Em nenhuma das edições da Série A o Náutico conseguiu uma campanha com destaque nacional, tendo seus sucessos internos resumidos em permanências e seu auge com uma 12ª colocação em 2012, classificando-se para a Copa Sudamericana, onde foi eliminado no Clássico dos Clássicos logo na estreia do certame da Conmebol. Considerando o Brasileirão com métricas nacionais, a partir de 1988, sem ligação com os estaduais, com os clubes precisando impor suas forças, totaliza-se 37 anos de disputas, com o Náutico estando 70% do período fora da elite, sendo 11 disputadas na Série A, 21 na Série B e 5 na Série C.
Pela Copa do Brasil, conta-se 28 participações do Náutico em 36 edições e em toda conjuntura desde 1989, o único episódio de sucesso foi a semifinal em 1990, com vitórias sobre o Treze, Ceará e Remo, antes da eliminação contra o Flamengo. Naquele ano, o time contou com o artilheiro da taça, Bizu, com 7 gols. Em 2001 participou da Copa dos Campeões pela liderança da 1ª fase do Nordestão, sendo eliminado logo na fase de grupos por Paysandu e Fluminense.
Nesse período pós-1968, o clube acumulou alguns feitos que servem como tatuagens, positiva e negativamente. Em 2010, a FIFA premiou o Clássico dos Clássicos como uma Rivalidade Clássica, pondo o derby numa categoria onde encontra-se Manchester x Liverpool, Roma x Milan e Celtic x Rangers. Em 2013, o gol do atacante Olivera foi listado para concorrer ao Prêmio Puskas, da FIFA e houve a convocação da sua cria da base, o lateral-esquerdo Douglas Santos, chamado pelo técnico Felipão. Em 2014, o CT Wilson Campos foi um dos centros oficiais da Copa do Mundo. Porém, duros golpes ocorreram também, como a Batalha dos Aflitos, que passou um carimbo de fracasso nacional pro clube; o maior tabu da história de um clube brasileiro em finais contra o rival (53 anos sem títulos contra o Sport nas últimas 10 finais disputadas); anos sem sua identidade, longe dos Aflitos, atuando na Arena Pernambuco; o Estádio dos Aflitos tornou-se um templo atrasado e violência; perda do selo de clube de participação na elite nacional; baixa popularidade, como aponta as pesquisas de diversos veículos desde 2010; baixa média de público; e os episódios de vexames em campo e fora dele nas gestões Melo & Braga.
Particularmente, acho que a década de 60 é mais um desvio que uma regra nessa curva centenária. Nos quesitos popularidade, títulos, protagonismo, constância, relevância na variedade de eras, épocas e modelos e peso político além de suas fronteiras, o Náutico é extremamente mais próximo da coadjuvância e insucesso das épocas pré-1963 e pós-1968 do que metade do que realizou entre 1963 e 1968, pois domínio estadual, títulos ou pelo menos disputas regionais e poder de chegada nacional nunca foram vistas, nem sequer ao menos um desses aspectos. O Pernambucano se tornou essencialmente uma briga entre Sport e Santa Cruz e a Copa do Nordeste que está presente nas décadas de 90, 2000, 2010 e 2020 nunca teve o Náutico como figura finalista. No Brasileirão, o alvirrubro dependeu muito dos estaduais para poder sustentar o selo de elite - ou seja, o Náutico é um clube de raízes estaduais, com as próprias pernas nunca conseguiu ser ao menos um clube regional - mas assim que o torneio passou a ser de fato elitizado nacionalmente, acabou caindo de prateleira, ao ponto de chegar a viver 70% de seu tempo entre as Séries B e C. O time que contava com crias como Nado e Bita, não conseguiu mais revelar atletas que colocassem o time num patamar ao menos de domínio recifense. A popularidade que a era de ouro gerou, ao ponto do número de torcedores crescer até chegar ao "povão", foi se descontruindo com a gangorra da construção de tabus e secas e sucesso dos rivais, com direito a sequência, como anos 70 com o Santa, anos 80, 90 e 2000 com o Sport e anos 2010 com Santa e Sport.
Outros fatores fora das terras pernambucanas são agravantes. O Náutico não possui nenhum tipo de disputa, rivalidade ou vínculo esportivo com clubes de fora do estado. A falta de disputa por algo relevante regional e nacional fazem o clube ser um mero participante de uma Série A cá, outra lá e de um mero cumpridor de calendário do Nordestão. E pra piorar, quando selou uma rivalidade interestadual, foi por um cenário polêmico na Série C, contra o Paysandu. Usando um exemplo positivo em Pernambuco, temos o Sport, que acumula episódios de rivalidades dentro e/ou fora de campo com Bahia, Vitória, Ceará e Fortaleza no Nordeste e nacionalmente com Flamengo pela exclusividade de um título brasileiro, ao ponto dos cariocas agendar uma reunião com a sua cúpula por achar um problema que seu uniforme estava parecido com o do Sport, o Corinthians por uma final de Copa do Brasil, o Grêmio por final de Copa do Brasil e mata-mata de Brasileirão e o Palmeiras, por diversos confrontos lendários como mata-mata de Copa do Brasil e Libertadores, final de Copa dos Campeões, abertura do Allianz Arena e vitórias lá e lô e jogos polêmicos pela Séries A e B. Externamente o Náutico acumula mais dois insucessos em vínculos com entidades, como o Clube dos 13 e a Liga Forte Futebol, onde ou não consegue se filiar, ou não consegue o que deseja no acordo. E por diversos elementos, sua referência política (força ou fraqueza) fala muito do seu tamanho.
A rivalidade é um fator que forja grandeza. São Paulo e Santos são clubes imensos, mas o "selo" de 'O Jogo do Estado' que o clássico Corinthians x Palmeiras tem é digníssimo, algo parecido com Santa Cruz x Sport, que é de fato 'O clássico' de Pernambuco. E atualmente, meio a uma década, o Sport vem tendo de forma institucional e popular um grau de rivalidade maior com Bahia, Ceará e Fortaleza que com o Náutico e mesmo o Santa Cruz passando pela - na minha opinião - a pior fase de um clube tradicional no país, a rivalidade mexe com as duas maiores nações pernambucanas, com faixas provocativas em semanas de jogo pelo "galeto" e tudo.
Ao ler, ouvir e assistir muitas resenhas do clube nos últimos anos, em relação a jogos, contratações e outras ações, nota-se um exagero sustentado pela tese "a camisa do Náutico é maior que isso". O Náutico representa milhares de pessoas e só isso basta para uma forte cobrança, sem falar nos marcos do clube, mas sim, existe uma cobrança por mudanças e conquistas de algo que o clube nunca foi. O fato é que o Náutico possui uma enorme característica de inconstância, coadjuvância e selo "participei", isso mesmo, não é mais problema e sim característica, pois tornou-se uma marca. O clube que em seu suco histórico é um participante nacional (e deixou de ser desde a nacionalização dos torneios), espectador regional e coadjuvante estadual talvez deu aos olhos do seu povo uma ilusão. O Náutico, em sua média história (1901-2024) não é do tamanho que se fez entre 1963 e 1968, pior, possivelmente nem metade disso no futebol. E pra piorar, vive uma fase que depois de muito tempo volta a ser constante, mas essa constância é com a seta virada pra baixo.
Esse texto é fruto da problematização que o vídeo Nordestinado #1 - A ascensão do Fortaleza, do canal Click Esportivo me fez ter. É certo um clube ser considerado tradicional ou grande, e de ser cobrado por sua "camisa" com os dedos apontados pro seu auge, mesmo que ele seja instalado em apenas 9 dos 119 anos de futebol na instituição?