sábado, 7 de janeiro de 2023

A subestimação de critérios relevantes no debate de quem é maior

"Meu time é melhor que o teu", "até time tal é maior que o teu". O futebol tem vários pilares e um dos seus melhores aspectos são as conversas de mesa de bar, aquelas onde o maior time do mundo sempre será o próprio e que independente do argumento, seja fato ou vazio, ninguém convence ninguém. O tema de quem é maior X ou Y apresenta muitas cartas pra cada baralho, porém existem umas que seriam coringas na jogada e que por diversas ou quase todas as vezes nunca são usadas, visto em muitos debates em redes sociais por torcedores e até mesmo por jornalistas e historiadores renomados.


Dando exemplo, no Nordeste existe aquela resenha de quem é o maior, Esporte Clube Bahia ou o Sport Club do Recife. No fundo é um debate subjetivo levando em conta pontos objetivos e sempre são apontados aqueles populares critérios: títulos, torcidas, estruturas, campanhas e números em competições nacionais e internacionais e confrontos diretos, contudo como posso deixar de lado pontos tão ou até mais relevantes que alguns tradicionais? Ainda usando o Superclássico do Nordeste, o Clássico da Imponência nordestino como exemplo, veja a quantidade de "cartas" que tricolores e rubro-negros deixam passar no dia a dia:

Tricolores:

- Já coloquei dois atletas em campo simultaneamente na era aberta da Seleção Brasileira
- O Ba-Vi foi o primeiro clássico do Nordeste a entrar no hall de Classic Football da FIFA
- Fui o primeiro e um dos dois únicos a vencer o Santos de Pelé em finais nacionais, antes mesmo do Cruzeiro de Tostão
- Venci as edições mais emblemáticas da Copa do Nordeste
- O GreNal é a maior rivalidade do país e eu fui vitorioso no último capítulo do embate conhecido como o maior do século
- Sou o primeiro campeão brasileiro da era elitizada do Campeonato Brasileiro
- Revelei o maior campeão da história desse esporte
- Fui o único clube fora do eixo Sul a participar de todas edições do Robertão por influência e peso no meu estado
- Fui um dos fundadores do Clube dos 13
- Ninguém teve mais artilheiros em competições nacionais no Nordeste que eu

Rubro-negros:

- Sou o único clube do Norte, Nordeste e Centro-Oeste a sediar uma Copa do Mundo
- Sou o único clube fora do G12 a ser premiado como Classic Club da FIFA
- Sou o único clube a revelar dois artilheiros de Copa do Mundo e revelei o maior artilheiro sul-americano em uma edição de mundial
- Fui o primeiro clube fora do eixo RJ-SP a participar da International Soccer League
- Sou o líder em convocações para a Seleção Brasileira seja na era geral ou era aberta
- Somos o 6º clube do mundo, 3º do continente e único norte-nordestino a vencer o FIFA Fan Awards
- Sou o clube que mais disputou finais nacionais de torneios diferentes (Brasileirão, Copa do Brasil e Copa dos Campeões)
- Meu treinador já foi comandante da Seleção Brasileira simultaneamente
- Sou o único campeão da Copa do Brasil fora do eixo Sul
- Fui o primeiro clube do Nordeste a ser campeão em todas as 4 esferas do país (estadual, regional, inter-regional e nacional)
- Foi um atleta do meu time que fez o gol mais rápido da história da Seleção Brasileira

Esses e tantos outros apontamentos são importantes para dois grandes fatores: forjar instituição e torcedores e alimentar a tradição e continuidade nacional de seu clube.

O futebol brasileiro está caminhando para completar 100 anos de profissionalismo e já possui mais de um século em disputas. Como podemos ignorar que os feitos e marcas do passado e envolvendo todos os detalhes não são primordiais para a grandeza de um clube? Outro ponto também muito relevante é que pra medir a diferenças de clubes não são somente os pontos positivos, mas os negativos. E um dos grandes exemplos nacionais dessa mistura é a Associação Atlética Ponte Preta. A macaca não possui títulos tradicionais em sua história e isso é um imenso agravante, todavia você não acha justo apontar como uma instituição que forjou o poder do Brasil para o mundo quando se vê que a Seleção já disputou 2 Copas do Mundo com 5 atletas alvinegros? Quantas vezes essa "carta" é jogada na mesa? E o que dizer da Associação Portuguesa de Desportos? Um dos maiores clubes do país no inicio do século 20 e que era sempre uma das grandes potências do Torneio Rio-São Paulo na época em que o certame tinha status de Campeonato Brasileiro.

No Nordeste vemos o atual crescimento do futebol cearense, com algumas marcas pioneiras e que não costumam serem populares em todo esse tempo, como G4 nacional e participações em Libertadores. Esses pontos fazem que parte da torcida do Fortaleza Esporte Clube e da imprensa, em especial a alencarina frisarem que o clube já é maior que Ceará, Náutico, Santa Cruz e Vitória, além de que o futebol cearense já ultrapassou ou está próximo de ultrapassar Pernambuco. Seja no debate entre os clubes ou entre os estados, existem muitos pontos que também são desconsiderados e que são muito maiores do que outros mais falados.

Como posso deixar passar que o trio de ferro do Recife dos anos 1940 aos anos 1990 criaram, bancaram, idealizaram e batalharam por torneios de cunhos regionais como as competições de 1948, 1951, 1952 e a tentativa da volta do Torneio Norte-Nordeste em 1980? Lembrando que a Copa do Nordeste é um dos fatores para a reintegração nacional de Alagoas e Ceará, essa que foi uma batalha política com Bahia e Pernambuco tendo as principais armas e influencias para sua sobrevivência entre o final do século 20 e inicio do 21. Como posso deixar de falar nas convocações para a seleção brasileira que Bahia, Náutico, Santa Cruz, Sport e Vitória acumulam? Ou vamos fingir que isso não molda nacionalmente? Que isso não forja clubes, torcidas e olhares da imprensa para aquele clube ou eixo? E no debate entre centros, o que falar de Bahia e Pernambuco terem sido as únicas federações fora do eixo Sul a disputar o Robertão e a sustentar a já baixa "dignidade" do Torneio Norte-Nordeste (1968-70)? E o que dizer dos estados que representaram a Seleção Brasileira? Com destaque para Pernambuco que disputou de forma oficial, ficando em 3º lugar na Copa América de 1959, atrás apenas de Uruguai e Argentina. Então fica claro que é subestimado muitos fatores que de fato sustentam pra hoje estarmos aqui podendo debater, pois se não fosse todos esses pontos abordados pelo blog, era muito possível que os pontos objetivos mais populares e citados nem tivessem existidos. Bahia e Sport foram campeões nacionais em 1959, 1987, 1988 e 2008 não apenas por terem bons times num certo torneio, atrás disso houve uma construção institucional vinda de pioneirismos, marcas e feitos em excursões e tantos outros aspectos impopulares que elevam a região e refletindo em rivais. Quando se fala em grandeza no Nordeste, logo se aponta para a dupla campeã elitizada, e isso é justo, mas talvez esse não aprofundamento de tanto outros pontos magníficos além das taças façam os seus próprios torcedores não enxergarem as ainda mais longevas grandezas dos clubes.

Indo para o Centro-Oeste, o Goiás Esporte Clube é apontado por seus imensos vices-campeonatos e selo de elite. Ok, isso já é grandioso, mas o clube tem seu poder de mercado, de revelações e de furar a bolha de torcidas corintiana e flamenguista para se tornar popular e quase um sinônimo de futebol no estado de Goiás, assim como o Bahia na Bahia. Quantas vezes tivemos esse olhar para o esmeraldino?

E no Rio de Janeiro? O que é o Botafogo? Um time bicampeão brasileiro, campeão da Copa Conmebol, com a menor torcida entre os grandes e com forte ligação com a Seleção em mundiais, mas só isso? O brilhantismo do Botafogo em seu auge formou um sentimento de Zico para que em jogos do Flamengo contra a estrela solitária fizessem o ex-meia ter mais fôlego e motivação para mostrar o seu melhor. Isso flamenguista, vai chamando o alvinegro de "irrelevante" e deixando de lado que o conceito de brilhos e glórias na mente do teu maior ídolo, que se deixou influenciar humana e futebolisticamente de forma positiva, nasceu pelos caminhos de Garrincha e companhia. Para Zico, o Botafogo foi o maior rival em sua vida como torcedor e devolver placares elásticos eram metas pessoais.

Quando se trata sobre o "Maior", deve-se apontar e nivelar todos aspectos, de todas épocas, contextos, positivos, negativos, ou seja, de forma literal a palavra 'tudo'. Assim como o Sport elevou a logística nordestina realizando viagens a carvão e não mais a lenha, assim como o Ceará que conquistou os torneios metropolitanos e forjou o sentimento de liderança, de imponência, isso são fontes de grandeza. Não é soberba, não é poeira, é criação de chão, de pista, de estrutura no ontem para que hoje você possa passar por cima. Não podemos confundir "melhor" com "maior" e nem esquecer que o tudo é maior e mais pesado do que o inicio de sua vida esportiva como profissional e/ou torcedor.

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