sexta-feira, 7 de julho de 2023

1968: O gol do Hexa alvirrubro e suas avalanches de efeitos pró Sport meio a política de bastidores

Em 1968, o Campeonato Pernambucano iniciava-se com fortes expectativas e um grau de importância imensa. O Sport que vinha de montagens de bons times e planos de reestruturação da Ilha do Retiro, buscava voltar a ser campeão estadual após alguns anos batendo na trave, enquanto o Náutico, em seu momento mais técnico e brilhante de toda sua história, almejava o sexto título consecutivo na competição, que estava muito longe de ser apenas o "galeto" como é atualmente.

Ramos marca o gol da glória do Náutico e do destino glorioso do... Sport.
Imagem: Arquivo/Diario de Pernambuco

Entre 1959 e 1968, foi disputada a Taça Brasil, uma competição nacional que reunia todos os campeões estaduais do ano anterior, contanto com representantes de todos estados filiados e dentro de um padrão de profissionalismo do futebol que a entidade máxima do país indicava. Em 1967, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Rio-São Paulo, passou a receber clubes de de RS, MG e PR, assim sendo chamado popularmente de "Robertão". O torneio foi um sucesso de público e financeiro, fazendo que a CBD passasse a oficializá-lo no calendário nacional oficial e organizando a competição, que antes era comandada pelas federações de São Paulo e da Guanabara. 1968 marcou o ano da transição do novo modelo de disputa das competições nacionais. A Taça Brasil teve sua última edição, dando espaço para três novos torneios, com disputas regionalizadas, foram elas, o Robertão (eixo Sul do país), Torneio Norte-Nordeste (eixo Norte do país) e o Torneio Centro-Sul (eixo central do país). Ou seja, foram constituídos espécies de Campeonatos Brasileiros por região, o do Norte, o do Centro e o do Sul do país.

A Federação Pernambucana de Futebol era a representante da CBD no Norte/Nordeste e tinha como presidente, uma figura de forte influência e poder de bastidores, Rubem Moreira. Já no estado da BA, o Esporte Clube Bahia contava com Osório Villas-Boas, político, inspetor policial e grande magnata eleitoral e futebolístico. A dupla entrou em guerra com a CBD para que PE e o Bahia participassem do Robertão, certame que vinha de um altíssimo status. Com possibilidade de boicotar o Torneio Norte-Nordeste e escancarar de vez pra todo o Brasil o quanto a CBD destratava todo o resto do país e valorizava apenas o eixo Sul, os cartolas mostraram suas armas contra os líderes paulistas e cariocas e acabaram conseguindo suas vagas. Em PE, haviam três clubes de massa e forte poderio, portanto, a FPF optou em indicar o seu representante através do título pernambucano, já na BA, como o Bahia era o grande dominante político do estado, criou-se uma "ditatura tricolor", com o clube disputando as três edições do Robertão, mesmo que não fosse campeão baiano, até mesmo quando nem vice-campeão era. Com três vagas para competições nacionais, a FPF decidiu optar por seu campeão estadual disputando o antigo Rio-São Paulo, enquanto o vice-campeão e terceiro colocado disputaria o Norte-Nordeste.

Iniciada a 54ª edição do Campeonato Pernambucano, o favoritismo era dividido entre leão e timbu, o primeiro que tinha um forte time e sempre chegava nas finais, além de contar com atletas que o exterior consultava, já o rival vinha de cinco títulos e era naturalmente um forte candidato. Contando com resquícios finais do time que brilhou no estado, região e país com Nado, Bita, Lala, Gena, Ivan e outros, a final seria disputada em melhor de pontos em dois jogos. O Náutico venceu a ida por 1 a 0 com gol de Ramos, que posteriormente viria a fazer o gol mais importante da história do Náutico para muitos alvirrubros. No jogo de volta, o clube da Rosa e Silva precisava apenas de um empate para fazer a volta olímpica na casa rival, mas os leões venceram por 3 a 2, obrigando a ocorrer a 'negra', termo como era chamada a última partida, que ganhava o status de 'melhor de três'.

Lance do PE 1968: Rato, hexa-campeão estadual e Gilson, campeão brasileiro do Norte posteriormente
Imagem: arquivo/Diario de Pernambuco

No dia 24 de Julho de 1968, num Aflitos abarrotado de alvirrubros, rubro-negros, tricolores e alviverdes (América), um 0 a 0 marcado por expulsões, muita técnica e até mesmo lesão do árbitro, a partida finalizou, indo para a prorrogação, onde aos 16 minutos, Ramos escora pra dentro com o pé direito após belo lançamento de Ede para a pequena área. Era o Náutico sagrando-se hexa-campeão pernambucano, feito único em toda história do estado e classificado para o Robertão, o Campeonato Brasileiro do Sul. E o Sport, que ficou com o vice, acompanhado do Santa Cruz, que completava o pódio, disputaria o Torneio Norte-Nordeste, o Campeonato Brasileiro do Norte.

Confira os detalhes daquela final e o gol de Ramos, o gol do Hexa e da classificação do Náutico para o Robertão e consequentemente do Sport para o Torneio Norte-Nordeste:


Dando sequência a temporada, os clubes se organizavam para as disputas dos torneios nacionais, os quais mesmo contanto com diferente questões financeiras e de status, possuíam a mesma finalidade de destino, com os campeões de cada uma delas se encontrando para disputar o Torneio dos Campeões da CBD, que seria definido o campeão brasileiro nacionalizado e o detentor da vaga para a Libertadores. Náutico e Santa Cruz fizeram campanhas modestas nos Campeonatos Brasileiros do Sul e do Norte, respectivamente, diferente do Sport, que transformou o gol de Ramos numa passagem de conquista para o seu primeiro título nacional.

Para entender mais o que foi o Campeonato Brasileiro do Norte e a metodologia da temporada nacional de 1968, leia o Guia do Dossiê para Unificação do Torneio Norte-Nordeste ao Brasileirão.

O time rubro-negro não conquistava um título desde 1962, temporada que levantou os troféus do Pernambucano e o inter-regional da Taça Norte e vinha de 4 vices em finais do estadual. Com fome de títulos, a equipe do ídolo Baixa, o talentoso uruguaio Henrique Câmpora e o artilheiro Fernando Lima encarou a competição com muita responsabilidade e sede ao pote. O Campeonato Brasileiro do Norte era constituído com duas chaves regionais, a Norte e a Nordeste, sendo cada uma delas valendo anexamente o título regional, similar a Copa Norte e a Copa do Nordeste hoje. Com direito a 14 vitórias em 18 jogos, o Sport liderou o seu grupo na primeira fase e foi o primeiro colocado no quadrangular final, conquistando o Nordeste após goleada no Clássico das Multidões por 4 a 1, numa Ilha do Retiro lotada e invadida pelos alegres torcedores. Na outra chave, o Remo sagrou-se campeão do Norte e classificado para a final. O Sport passou por cima, fazendo 3 a 1 em Belém e 2 a 1 no Recife, conquistando o seu primeiro título de expressão nacional, numa disputa inter-regional. E de novo com uma Ilha invadida pelos fanáticos, levantava um troféu da CBD, se sagrando campeão brasileiro do Norte e aguardando os demais campeões brasileiros do eixo Sul, Centro e do Torneio de Campeões Estaduais (antiga Taça Brasil) para disputar o título brasileiro máximo e a vaga para a Libertadores.

Pois bem, vejamos como o futebol é repleto de reviravoltas e destinos traçados. Um vice-campeonato deu ao Sport uma semente que traria como fruto um título nacional. Além disso, o alto preço de um poder político. O Náutico, que vinha de um vice da Taça Brasil e que disputou a Libertadores naquele mesmo ano, limitou-se seu futebol no Robertão e perdeu a chance de disputar um título mais factível, o qual não era fácil, pois o timbu disputou as edições do Torneio Norte-Nordeste de 1969 e 1970 e nem sequer chegou perto das finais, enquanto a falta de poder político do estado do CE fez que seus clubes, assim como o Sport, conquistassem títulos brasileiros do Norte. Durante anos, CE e PA brigavam ferrenhamente pela participação no Robertão, o que não ocorreu, assim, Ceará e Fortaleza disputaram as demais edições e fizeram o Náutico assistir o vozão ser campeão em 1969 e o tricolor vencedor em 1970. O Santa Cruz, que não foi bem na única edição do Norte-Nordeste que disputou, foi bicampeão pernambucano em 1969 e 1970, ganhando o direito de disputar o Robertão, porém, sem sucesso em campo.

Baixa, ídolo e lateral-direito do Sport em 1968 com o troféu do Brasileirão do Norte
Imagem: divulgação/Diario de Pernambuco

Mas o caso mais concreto e direto das consequências políticas foi no Bahia. Diferente do que muitos acham, o estado da BA não teve vaga no Robertão e sim o próprio EC Bahia. Se a CBD implementasse o mesmo modelo de PE para Federação Baiana, o representante baiano no Robertão de 1968 seria o Galícia, campeão do estadual que teve o Bahia como 4º colocado, atrás do Fluminense de Feira e do Vitória. Já em 1969, o representante seria o Fluminense de Feira. Nas três edições do Robertão, o Bahia acumulou eliminações, incluindo status de "saco de pancadas" e lanterna.

Esse detalhamento histórico sobre o processo político mostra como a decisão criteriosa da FPF faria que o gol de Ramos tivesse um valor muito além do Campeonato Pernambucano. O gol do Hexa, o gol do Luxo, o gol do Robertão pro timbu e o gol do título brasileiro do Norte para o leão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário