domingo, 29 de maio de 2022

Campeonato Brasileiro do Norte

O futebol brasileiro tem como sinônimo a bagunça, a politicagem, os atos contraditórios e claro, o escárnio. Um dos maiores de sua história, foi em 2010, quando numa canetada e em um dossiê que apresenta muita coisa legal sobre o século 20, mas que ignora 100% muitas verdades da época, fazendo que 4 títulos interestaduais fossem elevados para nacionais e ganharam o mesmo pelo da atual Série A do Campeonato Brasileiro.

Escudos dos campeões brasileiros do norte em suas épocas.

Realizei uma matéria que aponta a criação de países dentro do Brasil e outra matéria que define o conceito "nacional" aplicado dentro do futebol. Agora vamos explanar visões da época, em informações e opiniões de veículos de comunicação e cronistas dos estados de São Paulo, Guanabara/Rio de Janeiro e Pernambuco, que exibe os fatos de como a Taça de Prata (Robertão) não era nacional e sim um embrião, de como o Torneio Norte-Norte era seu paralelo e com mesma finalidade e como termos como "campeão brasileiro", "certame nacional" e "campeão do Brasil" já eram aplicados, mas referentes a Taça Brasil e não ao manjadinho do eixo sul. Entre 1967 e 1970, podemos dizer que de fato existiram dois cenários: 1. torneios interestaduais da CBD e 2. Campeonatos Brasileiros regionalizados da CBD, sendo qualquer um desses legítimos, diferente de diferenciar as validades entre Robertão e Norte-Nordeste, e mais do que tudo, pôr o Robertão no mesmo nível, peso e status do atual Campeonato Brasileiro da Série A.

Entre 1959 e 1968, rolou no país a Taça Brasil, competição que independente se a crônica gosta ou não, se clubes, federações e a própria CBD gostava ou não, era um nacional legítimo, por haver consultas e inclusão de todas federações, com critérios técnicos e que ao extremo fez que o avanço profissional e técnico em todas regiões ocorressem, inclusive sendo criada por conta da vaga pra Libertadores e que dava o título de campeão brasileiro ao seu vencedor, como o Bahia em 1959. Em 1966, o Cruzeiro venceu a edição com um show sobre o Santos de Pelé e cia. E claro, só aí paulistas e fluminenses percebem que existe algo de bom no futebol brasileiro fora de seus estados e fazem o Torneio Rio-São Paulo conter mais 3 estados convidados: Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais, do campeão brasileiro de 66. E assim em 1967, morre o Rio-São Paulo e nasce o Robertão.

Sem precisar viajar pro norte do país, sem precisar ter que jogar na Paraíba, Pernambuco, Bahia, Ceará, Amazonas, Pará, Goiás, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Rio de Janeiro (não confundir com Guanabara), Santa Catarina, Maranhao, Pará, Piauí, Distrito Federal e Sergipe, o quinteto manjadinho faz seu campeonato interestadual que por seu prestígio financeiro e técnico, a CBD larga a Taça Brasil, boicotando a edição de 68, que viria a ser a última e no mesmo ano passa a cuidar do Robertão e junto a esse ato, cria dois torneios, os torneios dos restos, de quem ela pouco se lixava e se importava, o Norte-Nordeste e o Centro-Sul.

Diario de Pernambuco traz em 20 de dezembro de 1968, como a CBD boicotava o N-NE.

Nunca um torneio pode ter evolução com sua organizadora boicotando. Diario de Pernambuco

Bahia e Pernambuco eram federações fortes, de diretores influentes na política da CBD, além dos estados terem fortes ligações econômicas, históricas e federativas com o Brasil, inclusive já sendo representantes do país em torneios sul-americanos, como a Seleção Pernambucana disputar a Copa América de 1959 como Seleção Brasileira. Em 1967 a CBD não queria pôr nenhum convidado a mais fora dos 5 estados que disputou em 67, mas Osório Villas-Boas e Rubem Moreira eram vividos demais pra serem passados pra trás. Peitaram a CBD e ameaçaram que não teria representantes de BA e PE se não houvesse vagas pros estados no Robertão. A CBD cedeu, uma pra cada, lógico. PE tinha três grandes clubes e foi obrigado a dá a vaga pro campeão pernambucano nas três edições (imagine que o trio-de-ferro não conquistasse, o quanto fariam bagunça pra entrar no lugar de um Central da vida?), já na BA, o Bahia era o único clube de forte força política, além de ser o time do próprio Villas-Boas, o que fez que independente dos resultados do estadual - que por sinal o tricolor foi mal em alguns anos -  o Bahia foi quem disputou todas edições.

Em 15 de maio de 1968, o Diario de Pernambuco traz as brigas políticas onde a CBD buscava deixar os norte-nordestinos de fora do Robertão. Confira o material.

Os atos políticos foram muito além, como opinou o lendário cronista Adonias de Moura em 22 de  novembro de 1968 para o Diario, que deixou claro: "N-NE saiu da CBD imprensado pelo Robertão". Confira a matéria.

Estados como Ceará e Pará não tiveram a sorte de ser influentes políticos como Rubem e Osorios e nunca contaram com representantes durante o Robertão. 24 de dezembro de 1968. Diario de Pernambuco.

A Taça Brasil de 1968 perdeu valor pelo interesse dos clubes do sul apenas pelo Robertão e daí nasceu o boicote para o mapa nacional do futebol, onde a CBD priorizava apenas a Taça de Prata e infelizmente pra turma de baixo, tiveram que contar com um clube de BA e PE durante as três edições, que claro, ficaram bem a baixo até pela imensa diferença logística enfrentada. A temporada marca a criação do Quadro Nacional de Arbitragem, constituído pelo novo plano da entidade em criar seu calendário nacional do futebol, contando com 4 competições oficiais: Taça Brasil, Robertão, Norte-Nordeste e Centro-Sul, nenhuma delas dando título de campeão brasileiro e sim o encontro entre os campeões dos quatro certames, que na Copa dos Campeões da CBD, seria dado o título de campeão nacional e a vaga pra Libertadores de 1970.

Em 1968, foi criado o Quadro Nacional de Arbitragem para as competições nacionais da CBD. 12 de julho de 1968, Diario de Pernambuco.

Técnico do Santa Cruz, Gradim cita o Torneio Norte-Nordeste como competição nacional. 4 de julho de 1968, Diario de Pernambuco.

O Robertão não dava titulo de campeão brasileiro e sim o torneio onde os campeões interestaduais se encontravam. 19 de dezembro de 1968, Diario de Pernambuco.

Campeão do Torneio Norte-Nordeste, o Sport se preparava para o título brasileiro no embate contra Grêmio Maringá, Santos e Botafogo. 14 de março de 1969, Diario de Pernambuco.

O regulamento oficial da CBD para o Torneio Norte-Nordeste previa duas chaves regionais, onde o vencedor de cada chave era declarado campeão regional das regiões norte e nordeste, ou seja, talvez você não sabe, mas o Sport além do Norte-Nordeste, é campeão do Torneio do Nordeste, assim como o Remo é campeão do Torneio do Norte. O campeão do Norte-Nordeste partia pro embate contra os campeões dos outros três torneios.

Regulamento oficial do Norte-Nordeste, publicado em 19 de dezembro de 1968 no Diario de Pernambuco.

Fica claro a finalidade dos torneios comandados e criados pela CBD em 1968. Era a Taça Brasil que não definia a vaga pra Libertadores como anos anteriores, era o Robertão sendo organizado pela CBD para um possível nacional constituído com base apenas no eixo sul e os campeonatos do resto, os quais mesmo sendo ridicularizados e mal atencionados, tinha a mesma finalidade: gerar vaga pra a Copa dos Campeões para buscar o título de campeão brasileiro e a vaga pra Libertadores. E pra ficar nítido que o Robertão era interestadual, embrionário e não nacional, que o título de campeão brasileiro sairia do embate entre os 4 e tudo mais, é só olhar o que jornais e revistas do próprio eixo sul falava:

Em 14 de agosto de 1970, com o Robertão já rolando por 4 edições, a Revista Placar exibe como o Brasil não possui um torneio nacional.

“Qualquer pessoa poderia julgar que, no ano do Tri, quando o futebol brasileiro tem tudo para atingir a puberdade na área administrativa, o Robertão viesse, finalmente, a ser encarado na sua mais legítima finalidade: a de semente do tão sonhado Campeonato Nacional.” Cláudio de Souza, na revista Placar número 22, de 14 de agosto de 1970

E o que falar quando o próprio presidente da CBD, aquele que compactuou com o escárnio de 2010, em publicação do Jornal da Tarde, 21 de julho de 1970 frisa que o Robertão é um embrião e não um nacional?

A Gazeta Esportiva em 8 de maio 1970, com o Robertão sendo chamado de regional.

O Popular da Tarde em 19 de setembro de 1970 vaia ainda mais longe, mostra que o Robertão além de não ser nacional, é apenas um embrião, como foi o Rio-São Paulo.

Olha só... o gaúcho Diario Popular deixando bem claro.

Muitas vezes chamamos manjadinho do sul, mas os próprios clubes o eixo sul eram extremamente revoltados com os jogos políticos para beneficiar os estados da Guanabara e São Paulo e com a não legitimidade pra apontar um campeão brasileiro.

Diário Popular em  25 setembro de 1967



E o que dizer que os próprios paulistas não consideravam o Robertão nacional? O Jornal A Tribuna tratava o Robertão como "interestadual", assim como tratava a Taça Brasil como "nacional.









Nem mesmo as presenças de Náutico e Santa Cruz no Robertão contra grandes clubes fizeram a crônica pernambucana considerar o Robertão como nacional, mas sim como um interestadual embrionário. Como diz o Diario de Pernambucano em 1969.



Pra finalizar esse começo de fogo e lenha na fogueira, é bom lembrar que em 1967 ocorreu o Robertão e o Torneio Hexagonal Norte-Nordeste. Os vencedores de cada competição foram considerados "campeão do norte e do sul" e existia um intuito de realizar um embate entre eles, no caso, Santa Cruz e Palmeiras.

Diario de Pernambucano em 1967

Existem duas palavras a serem trabalhadas nesses contextos: Finalidade & Injustiça.

Em 2010, o autor do dossiê da unificação da Taça Brasil e Robertão em entrevista para o grupo Globo sustentou a validade da Taça Brasil com essa frase:

"Todos os clubes brasileiros tiveram a oportunidade de ganhar a Taça Brasil através do campeonato estadual, não houve nenhuma injustiça. Então das muitas críticas que nós vimos e vemos, citaram como é que pode o Siderúrgica representar MG ou Comercial representar o PR? Ora, Siderúrgica superou Cruzeiro, Atlético e América. E nada mais justo do que o Siderúrgica representar MG, isso mostra provava lisura da competição, a ética que na Taça Brasil foi levada ao extremo. Nenhum time que não fosse campeão estadual participou da Taça Brasil, ao não ser que o campeão estadual fosse campeão da Taça Brasil, que dava vaga ao vice-campeão daquele estado."

"Não importa número de participantes, nome, fórmula de disputa, nível técnico nem é tão importante, o importante é a finalidade."

Concordo com as duas frases, porém elas não podem ser aplicadas no Robertão. Primeiro que a finalidade do torneio não era apontar o campeão brasileiro, era junto aos outros torneios criar projetos para um Campeonato Brasileiro, que só ocorreu de fato em 1971. Sua finalidade era igualitária ao campeão da Taça Brasil, do Torneio Norte-Nordeste e do Torneio Centro-Sul: título interestadual e vaga pra Copa dos Campeões da CBD para disputar o título de campeão brasileiro e a vaga pra Libertadores de 1970.

Pra piorar, como alguém pode falar em injustiça quando defende o Robertão que foi um grande ato político de exclusão do eixo norte? Então que fique claro, pela reparação de haver injustiça com diversos estados e regiões que ficaram de fora de uma "elite" por pura política, xenofobia e poder financeiro e por quatro torneios de mesmas finalidades terem dois deles elevados pra uma coisa que não era e nunca foi, começará uma guerra de direitos, de igualdade. Ficará como escolha da CBF: ou faz o Robertão virar o que ele sempre foi: um embrião interestadual, assim como sua versão do Rio-São Paulo, ou deixa claro que houve a criação de Brasis e Campeonatos Brasileiros regionalizados.

E deixo claro, Odir Cunha é um grande historiador e jornalista, de grande contribuição para a história e o esporte nacional, porém, seu trabalho pode ser explanado e adicionado mais planos. Em diversos países existem campeonatos nacionais regionalizados, mas são listas extensas e que independente de nível técnico e tudo mais, são tratados por serem embrionários, assim como o Rio-São Paulo desde 1933 e a Copa dos Campeões da FBF em 1937. Ou unifica tudo, ou unifica nada, pois a CBF criar critérios para justificar escolhas em que claramente se contradizem entre os torneios elevados e que ao mesmo tempo deixa outros de fora, é uma imensa sacanagem. Quais os torneios totais que deveriam serem unificados. Esses aqui.

Campeões do Campeonato Brasileiro do Norte:

1968: Sport Recife
1969: Ceará
1970: Fortaleza

Títulos nacionais de elite do eixo Norte:

Campeonato Brasileiro: Sport (1987) e Bahia (1988)
Taça Brasil: Bahia (1959)
Campeonato Brasileiro do Norte: Sport (1968), Ceará (1969) e Fortaleza (1970)
Copa do Brasil: Sport (2008)
Copa dos Campeões: Paysandu (2002)

Títulos nacionais de elite do eixo Norte (unificados):

Campeonato Brasileiro: Sport (1968 e 1987), Bahia (1959 e 1988)Ceará (1969) e Fortaleza (1970)
Copa do Brasil: Sport (2008)
Copa dos Campeões: Paysandu (2002)

Nenhum comentário:

Postar um comentário