domingo, 1 de maio de 2022

Os Brasis que fizeram Ceará, Fortaleza e Sport serem campeões brasileiros nos anos 60 e 70 | Parte 2: O conceito Nacional do futebol

Após a argumentação na matéria Os Brasis que fizeram Ceará, Fortaleza e Sport serem campeões brasileiros nos anos 60 e 70, em que é exibida o paralelismo e equivalência regional entre a Taça de Prata e o Torneio Norte-Nordeste em 1968, 1969 e 1970, um dos argumentos mais usados por quem defende ou é contra a tese, ou até mesmo por quem busca entender, é o conceito "nacional" no futebol. O que é preciso pra uma competição ser legitimamente nacional? É preciso ter todos os estados e regiões disputando? Se sim, quer dizer que até mesmo a atual Série A não é nacional por, por exemplo, não ter a região norte do Brasil representada? É disso que vou falar nessa extensão do tema.

Em 2010, a Taça Brasil e a Taça de Prata, ou simplesmente Robertão, foram unificados como Campeonato Brasileiro, porém, na minha visão, só existem dois torneios em que enxergo como âmbito nacional, é a Taça Brasil (1959-1968) e o Torneio dos Campeões da CBD (1969), ou seja, o Robertão não foi um nacional de forma legítima, não foi de fato, mesmo que de direito e via senso comum e tratativa de imprensa, alguns tratem, de forma absurda, só o Roberto Gomes Pedrosa como nacional.


O conceito "nacional" no futebol não deve ser tratado da mesma forma que o conceito "nacional" da República, onde, pra exemplificar, um projeto do Governo Federal pra ser nacional deve ser ampliado para todas regiões e estados independente de qualquer fator. No futebol é diferente, algo pra ser nacional não precisa contar tecnicamente dentro um torneio com representantes de todas regiões e/ou estados, mas sim ser um torneio formalizado via consulta de todos os representantes das tais federações estaduais filiadas e dentro de um método apto na profissionalização, legalização e padronização, essa consulta seguindo o mapa nacional oficial do futebol.

A Taça Brasil quando surgiu, teve o intuito de dar ao Brasil o seu primeiro campeão nacional e pra isso teve que criar (ou seguir) um mapa nacional do futebol, nele todas as federações estaduais brasileiras filiadas e que tinham seus campeões estaduais definidos foram consultadas e as que cumpriam e estavam dentro das aptidões necessárias, foram representadas, via critério técnico. Isso é verdadeiramente e legitimamente algo nacional, assim como o torneio vencido pelo Grêmio Maringá em 1969, quando houve o encontro entre os campeões dos torneios que na sua somatória, reunia a representação legal e legitima de todas federações filiadas a CBD, que por Robertão, Norte-Nordeste e Centro-Sul, era a garantia que por Santos, Sport e Grêmio Maringá, todo o país teve sua representação legítima.

O conceito "nacional" não é voltado a técnica, a prestígio e a finanças, e sim a um seguimento criterioso dentro da geografia e legalizações do mapa da República junto ao mapa do futebol. A Taça de Prata, popularmente chamada de Robertão foi um sucesso dentro e fora de campo, porém, diferente da Taça Brasil, não foi nacional de forma legítima, pois, além de seu critério de participação ser via convite e por peso político e influência de federações e clubes, baseado no sucesso financeiro de público e renda, sem respeitar resultados esportivos, não seguiu o mapa nacional profissional da época, mapa esse que a própria CBD, coordenadora do Robertão a partir de 1968, revolucionou pela Taça Brasil, o qual impactou para o profissionalismo e filiações em diversos estados ao longo das 10 temporadas do torneio nacional, portanto, diversos estados profissionais, inclusive o do Ceará, vice-campeão da Taça Brasil, não teve chance de disputar o que era tratado como nacional pelo fato de ser descartado e mesmo assim foi efetivado em 2010 pela CBF. Paralelo ao Robertão, tiveram dois torneios, o Norte-Nordeste e o Centro-Sul, que assim como o Robertão de forma legitima, eram inter-regionais que também foram embriões do Brasileirão, porém, seguindo critérios técnicos. Inclusive, assim que surgiu o Campeonato Nacional de Clubes em 1971, houve o fim dos conceitos dos campeonatos Robertão e Norte-Nordeste.

Para exemplificar o conceito:

O Brasil tem 27 federações de futebol profissionais e filiadas, imagine o cenário onde a CBF cria um torneio com 26 delas e a que sobra não foi consultada, não foi informada e por uma irresponsabilidade da entidade nacional ficou de fora. O torneio foi um sucesso de cobertura, técnica, público e renda. Ele deve ser considerado nacional? Claro que não, ele precisaria ter ao menos a consulta da 27ª federação profissional filiada e assim, poder de fato, via mapa nacional do futebol, ser tratado como campeonato como nacional. Mas em qual categoria ele se encaixaria? Interestadual.

Agora vamos pra outro cenário: a CBF ganha mais uma vaga pra Libertadores e quer definir seu representante através de um torneio nacional entre os 27 campeões estaduais de 2021. Todas as federações recebem o ofício com todos os requisitos, datas e demais detalhes para inscrever os seus representantes. Algumas federações em comum com seus campeões, vices e demais clubes dos estaduais abrem mão da vaga e de maneira formal informam a CBF, cada uma por sua razão específica e apenas 4 estados participarão representados pelos seus campeões: Alagoas (CSA), Minas Gerais (Atlético-MG), Pernambuco (Náutico) e Rio de Janeiro (Flamengo) e 1 estado participará com o seu vice, após o campeão se negar a jogar: Ceará (Ceará). No total dos 27 estados e 5 regiões com direito a disputa informados pela CBF, apenas 5 estados de 2 regiões participarão. Seria um inter-regional? Não, é um torneio nacional, pois é um campeonato que reúne todos os representantes legais via critério técnico de todas federações estaduais vinculadas a CBF e que inscreveram seus clubes, sendo que todas receberam a consulta e o ofício e algumas delas abriram mão por conta própria junto a seus clubes. Foi seguido o mapa nacional profissional do futebol brasileiro de forma legítima e legal.


Exemplos atuais:

O Brasil hoje tem 27 federações e sabe quantas delas disputam a Série A de 2022? 9 federações, são elas: SP, MG, MT, RS, SC, RJ, PR, CE e GO. Sabe quantos estados estão de fora? 18, o dobro da representação, mas isso quer dizer que o torneio não é nacional? Lógico que não, é até surreal usar o Brasileirão hoje pra dá peso ao Robertão ou qualquer torneio na era pré-Brasileirão.

O Campeonato Brasileiro é formado por 4 divisões, as Séries A, B, C e D, ou seja, em sua totalidade, o Brasileirão se torna legitimamente nacional pois ele, assim como a Copa do Brasil, é um torneio ligado a todos os campeonatos estaduais, a todos 26 estados + Distrito Federal. Se apenas 9 estados disputam a elite, isso é por mérito próprio, mas as vias de chegada são justas e seguem o mapa oficial do futebol brasileiro. Pode até não ter 27 federações na elite, mas existem 27 federações no Campeonato Brasileiro como um todo. É possível até ter uma Série A só com um estado, por exemplo, imagine clubes de São Paulo partindo da Série D pra C, depois pra B e chegando pra A, ao mesmo tempo que clubes de outros estados sendo rebaixados. A nacionalização legítima de uma competição não é definida pelo número de estados ou totalidade de estados participantes e sim de suas vias. O Cuiabá é um grande exemplo de como o Mato Grosso sempre esteve representado. O MT não começou a disputar o Brasileirão assim que seu principal clube disputou a elite e sim quando seu estadual teve direito a ter uma vaga na última divisão do Brasileiro.

A Supercopa do Brasil de 2022 contou com 2 estados: MG e RJ, ambos da mesma região, a sudeste. Por quê esse torneio é nacional? Pois suas vagas vieram de critério técnico por dois torneios que seguem o mapa nacional do futebol brasileiro de forma legítima, o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil. Outro exemplo foi a Copa dos Campeões, aquela disputada entre 2000 e 2002, muitos estados não disputaram, mas todos tiveram chance de disputar, através de torneios estaduais e regionais caso fossem vencidos por seus representantes.

Sabe um torneio que não seguiu o mapa nacional oficial do futebol brasileiro? O Campeonato Brasileiro de 1971, sim, ele mesmo, o que sempre foi tratado como o primeiro Brasileirão da história. Originalmente chamado de Campeonato Nacional de Clubes, o torneio não contou com os estados de Goiás, Santa Catarina, Rio de Janeiro (não confundir com a Guanabara) e Amazonas. As federações e os clubes dos quatro estados, liderados pelos goianos, brigaram por seus direitos e escancararam para todo Brasil o descaso que estava ocorrendo naquele processo, onde todos ficaram de fora do Brasileirão sem critério algum, sem resposta, ao mesmo tempo que assistia a Guanabara e São Paulo tendo 5 representantes cada, além de Pernambuco que tinha 1 representante no Robertão, passar a ter mais 1, muito pela força política do estado, enquanto nem sequer um dos campeões estaduais dos 4 estados que ficaram de fora podendo disputar. Assim como o Torneio Norte-Nordeste existiu pra fazer que os excluídos tivessem um calendário 'nacional', os excluídos do Brasileirão de 1971 disputaram o Torneio de Integração Nacional, organizado pela CBD e vencido pelo Atlético-GO. Assim como Norte-Nordeste e Robertão, o Integração e Brasileirão eram paralelos.

A sensação e fato da exclusão por forças externas não é anacronismo, é história, é a época. A luta por direitos e a revolta não é algo que começou no meu texto, ela começou lá atrás, exatamente na época retratada. Sabe outro detalhe do descaso ocorrido? Mesmo com o Robertão e o Norte-Nordeste paralelos, os estados de GO, MT, SC e DF ficam de fora da disputa durante 1969 e 1970. Em 1968, o ES disputou o Torneio Centro-Sul, mas também ficou de fora em 1969 e 1970. O Brasileirão de 1971 foi apenas um reflexo das exclusões que começaram com o fim da Taça Brasil.

Tanto o Robertão como o Norte-Nordeste não são nacionais. Podendo até ser, se a CBF enfim tratar que existia Brasis, o Brasil Norte e o Brasil Sul. Essa visão sobre o conceito 'nacional' do futebol sustenta a categorias a qual coloco os dois torneios pilares desse assunto como Torneio Principiante Nacional Regionalizado e não Nacionalizado. Recentemente, escrevi uma argumentação junto a uma nova metodologia para unificar os títulos brasileiros, através de critérios e novas categorias estabelecidas. Para entender melhor as razões de que tanto Robertão como Norte-Nordeste poderiam/podem ser unificados sem representar algo maior ou menor como foram de fatos, confira na matéria: As prateleiras e categorias que solucionam problemas e polêmicas na unificação do Brasileirão.

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